domingo, 17 de novembro de 2013

De minhas recordações ao meu Cristo Interior

Agora que me sinto envelhecendo, não tanto quanto o Borges começo a rever minha existência. Rever a existência é algo parecido como dirigir olhando pelo retrovisor. Não há nada mais arriscado do que isto! E arriscar-se quando se envelhece não é feito para qualquer um. Aliás, nunca fui qualquer um. Se fui José, não fui um josé qualquer. Meu nome foi José. Minha alma foi José. Mesmo encarcerado adivinhei sonhos. Mesmo solto desafiei os reis. Não tive medo do cárcere. O único cárcere que me amedronta são as grades capitalistas selvagens que prendem duas humanidades. Uma escrava e outra senhora de tudo menos de si mesma. Portanto rever a mocidade não é o mesmo que cheirar outra vez uma rosa em meu jardim. Não é o mesmo que beijar o rosto da amada pela segunda vez. Não há segunda vez em nada! A rosa venceu o mundo sendo igual por ser diferente a cada segundo. Mas as pedras também venceram o mundo. Não se colocaram umas sobre as outras para serem maiores, mas para proteger os homens. Na idade em que estou dirigir pelo acostamento traz um frescor de mocidade! É muito arriscado, mas vale a pena. Não valeram a pena os beijos roubados atrás dos muros em nossa mocidade? Não valeram a pena nossas mãos ousadas sob as saias das meninas nos escuros das ruazinhas desertas? Não valeram a pena as colas que fizemos no colégio enganando a retina de nossos mestres? Dirigir pela autopista obedecendo a todos os padrões estabelecidos não fica bem para quem desafiou o poder das metralhadores e dos canhões. Pelo acostamento possa ser que se derrape pela encosta do barranco e se encontre uma vereda esculpida pelo glamour da surpresa. Talvez seja esta a forma mais condizente de se conduzir com os pés em avançados anos. Estes cabelos brancos que me encantam quando me vejo no espelho, são os polens das flores que colhi pelas cidades abandonadas e pelas vias laterais que aparentemente não levava a lugar nenhum. Foi o brilho lunar do amor quando me associei aos banidos, perseguidos, expatriados, oprimidos e discriminados! Por sempre estar chegando ao lugar nenhum, consegui viver no reino da utopia. O reino da utopia é um lugar que está em lugar nenhum. Por isto o abracei e o adotei por toda a minha vida. O resto dos homens vive em lugar algum. Neste lugar onde vivem os homens vejo o moinho continuum da repetição do mesmo. Nos lugares alguns ou não utópicos nada acontece de sobrenatural. Por isto adotei o meu Cristo Interior em minha pré-velhice. O meu Cristo Interior não é um semideus grego filho de Zeus com uma ninfa de Israel. Isto é muito complicado para a minha alma semita. O meu Cristo Interior nasceu no presépio oculto do meu coração. De tanto habitar no coração do Altíssimo descanso no avançar dos anos à sombra do Onipotente junto com o meu Cristo Interior. Ele cresceu e foi crucificado em mim mesmo nas minhas dores e alegrias. As alegrias também costumam nos crucificar quando ficamos presos a elas. Quando as recordamos sem cessar. O meu Cristo Interior foi crucificado e ressurgiu no alto de minha cabeça, iluminando o meu calvário. Andou pelo mundo protestando contra as injustiças junto comigo. Nas horas mais tristes de minha vida ele cantava dentro do meu coração. Ele foi meu pássaro cantor. Agora ele ressuscitou de todos os meus mortos. Todas as minhas etapas de minha mocidade se transladaram nestes fios brancos de minha cabeça e nestes sulcos em minha face. O meu Cristo Interior não é um mito. Não é Adônis. Não é Mitra. Não é Osíris. Não é Dionísio. O meu Cristo Interior sou eu mesmo. Não é uma criação da mente humana. Não é segundo ninguém! Ele sabe a grande oportunidade de viver além dos trinta e três anos de idade. Ele morre de rir deste número cabalístico. Ele tem consciência de um tempo em que não se contavam os anos assim e nem havia cartório de registros! Este Cristo Interior que pensa assim se assemelha demais a mim. Por isto sou eu mesmo. Encontrá-lo não significa ser certinho. Não quer dizer andar corretamente como manda o figurino. Ele continua revolucionário conforme a sua espécie. Ele vive no reino do pensamento superior que pensa sobre o que o pensamento humano pensa. Ele não é um semideus! Não é filho de mulher alguma com Deus. Não tem genealogia alguma. Em silêncio exerce o seu sacerdócio de Melquisedek. Quando os anos se avançam sobre nós, nos sentimos tão antigos que já estamos a dar bênçãos ao nosso Pai Abraão! Se ele fosse filho de uma mulher com Deus ele não seria Deus. Pois Deus viria antes dele! O que vem antes é mais originário do que vem depois. Viver no âmbito da origem faz parte do meu proceder. Ele nem quer ser Deus. Ele deixou de lado esta babaquice. Ele sabe viver sobre o fio da navalha para contemplar o esplendor divino.

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