sábado, 22 de dezembro de 2012

Meu peru de Natal, um herói

Lúcio amava festa. Feijoada, churrasco e gelada de lavar o chão e escorregar. Não importava o tombo. O importante é molhar o gogó dizia. Mas vocês nem imaginam onde esta estória vai parar. Lúcio é luz. Claridade difusa na brasa do churrasco. Da chapa quente também. Carne de sol, linguiça, picanha, pão de alho pras crianças e pros dietéticos. Chega gente e toma gelada. Vocês sabem que tudo que é demais e repetitivo no moinho d’água dos finais de semana, feriados e festas populares, chega um dia que enjoa. Parece absurdo que um dia alguém enjoe de gelada e churrascada. Mas enjoa sim. Época de Natal. Tantos natais com aquela mesma ave beberrona. Companheira infeliz de um percurso rápido do vinte e cinco de sempre de dezembro. Amiga de copo que findava no forno ao molho pardo na ceia final. Lúcio não suportava mais esta repetição. A madame foi ficando desleixada com o tempo. Largou o corpo ao custo dos anos. Deixou tudo cair e não pendurou nada no varal do esteticista. A soma de tudo isto resultou num desânimo. Deste para uma ideia de fuga. Desaparecer não por encanto, mas por desencanto. Traçou todos os planos. Seria na virada do vinte e quatro pro vinte e cinco. A hora esperada. Momento em que todos os quarteirões sentavam-se em suas mesas ou perfilavam-se em seus terraços. Os filhos já casados. A situação resolvida. A fuga era inevitável. Fugiria com a roupa do corpo. Levaria alguma coisa suntuosa a mais. Glorificaria seu desaparecimento. Convidou o peru para a escapada derradeira. O bicho já estava na décima segunda golada e balançou sua cabeça enrugada num glu glu glu. Estava selada a confirmação. Botou o troço num saco e partiu. O bicho bêbado e quase sem ar com uma tonelada de prega no pescoço em busca de ar inaugurou comentários múltiplos. Desde que por aqui passou um papai Noel pelos olhos mitológicos de uma criança, nada mais importa. Não importa se o saco era vivo. Não importa se o saco falasse. Não importa se o saco batesse asas. Muito importa que não se fale que um papai Noel passou correndo com um saco vivo nas costas. Muita importa que não se fale que um papai Noel passou com um saco e um peru pescoçudo nas costas. Crianças esqueçam isto e não falem mais disto. Lúcio desapareceu na imensidão da metrópole. A vantagem dos grandes países cidades está nisto. Há lugar pra todo mundo. Inclusive para um homem com sua ave amiga. Assim como não há chinelo velho que não caiba num pé descalço. No reino dos abandonados, uma desprezada também não quer permanecer só. Só fico com você se você aceitar também o meu peru. Não tem problemas, quem está assim já criando teia de aranhas na solidão, não só inclui mais um peru, como dois se for o caso. O tempo passou. Ninguém quer tocar mais no assunto. Melhor dizer que ele enlouqueceu. Bebida demais cozinha o cérebro. Não é assim que se fala! Ou, ele sempre foi meio doido! Pronto, está resolvida a questão. O doido equaciona a questão do outro. O enlouquecimento serve como válvula de escape, como desculpa, muito mais para um terceiro, do que para o verdadeiro dono da loucura. Mesmo com escritura lavrada e registrada no hospício. Lúcio e Lúcia tamanha coincidência. Vivem numa casa simples de periferia. São felizes, permanecem alegres com outros motivos natalinos para festejarem. Sobre a mesa da sala estão empalhados como troféus da liberdade adquirida, um papagaio e um peru de Natal.

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