domingo, 1 de maio de 2011

MISTÉRIO ENTRE DOIS: KHRONOS OU KAIRÓS?

Lucas encontrava-se de vez em quando com ela. Melhor dizendo: passavam um pelo outro e às vezes paravam para falar alguma coisa: traballho, natureza, lazer ou "preciso de ver meus pais".
Uma beleza reluzia em seus lábios entreabertos de princesa e seu olhar esparzindo um festival de imagens e nuances na paisagem. Era uma ninfa solta no vai e vém do acaso, ou quem sabe do ocaso, pois quando a via, ele entrava em delírio e as horas envolviam-se na surpresa da tarde caindo.
Um belo dia, acordou cedo e foi à praia fazer sua caminhada, tomar seu banho e imaginar sua vida. Na volta, pela calçada de uma rua lateral, ela vinha, na riqueza de sua simplicidade e na nobreza de seu semblante meigo e sereno.
"Oi, tanto tempo, einh?" "São as viagens. Tenho viajado muito!"
Lucas olhou profundamente em seus olhos e arriscou: "O que há por detrás da superfície? Existe algo a mais além da procura de todos, da matéria, do prazer momentâneo?"
Ela olhou eternos segundos em seu olhar. Segundos reveladores de sua alma nobre e confiante num reino mais profundo, além das camadas deste mundo terreno e imediato.
Lucas respirou profundamente. Pela primeira vez encontrou alguém ao nível de sua forma de pensar. Um ser conhecedor do sentido maior desta existência.
Mas Lucas vinha da praia e ela? Ela ia para a praia. Lucas deu um breve adeus, recebeu seu sorriso no íntimo de sua alma e foi para casa.
Lucas escrevia contos surreais. Criava histórias do reino do absurdo. Uma forma de navegar em um universo paralelo, onde o impossivel seria viável, em um lugar/tempo facilitador do milagre e do mistério.
Mas não parava de pensar em sua deusa. Ela era diferente sim, de todas as mulheres do planeta. Ela não era simplesmente uma outra.
Lucas decidiu voltar para procurá-la na praia. Ao entrar na mesma rua, ele vive o inverso. Ela vem em seu encontro: "Você está indo de novo para a praia? Eu estou voltando para casa!"
Lucas mal conseguiu falar. Como dizer para ela a verdade? Como revelar-lhe o sentido de sua volta? Não conseguia imaginar-se ele, vivendo um conto, como nunca escrevera.
Balbuciando ele falou: "Vou voltar e conversar um pouco mais com você!"
Num determinado momento ele parou e disse: "Um dia vou dizer-lhe algo sobre hoje!"
Foram andando e conversando. Próximos à residência dela, ele arriscou:
"Você já sabe da imensa realidade por baixo da aparência externa das coisas. E sobre a coincidência? Veja, estava em casa e decidi encontrar-me com você lá na praia. Só depois de nos reencontrarmos no mesmo lugar eu pensei: como não duvidei de reencontrá-la? Ora, a praia é muito extensa. Está cheia de gente. Não havia dúvidas em mim, de revê-la!"
Então ela disse-lhe: "Certas coincidências não são coincidências!"
Despediu-se de novo e prometeram voltar à praia um dia para continuar este sublime diálogo.
Lucas volta e pergunta a si mesmo: "Se não é uma coincidência, o que será então?"
Uma voz falou em seu espírito: "Meu amigo, siga em frente, pois isto é sincronia! Quando isto acontece, marca a diferença. Os antigos gregos possuiam duas formas para caracterizar o tempo: Khronos e Kairós. Khronos é o tempo das horas. Nele vive, trabalha, come, dorme e pensa estar acordando, o homem comum. Nesta modalidade de tempo, pode haver de tudo: coincidência, dissidência, etc. Porém, Kairós é o tempo carimbado pela passagem, pela mudança, pela marca inesquecível. Ele traz a diferença. Demonstra uma modificação de rumo a partir daquele momento. Em Kairós é possivel os envolvidos falarem do antes e do depois. Kairós é o mistério da nova existência. Do fato novo em sua vida. Nesta espécie de tempo, não entra a coincidência. Ele deixa um vínculo entre as pessoas. Depois elas recontam e revivem este momento várias vezes, pois ele pode ser celebrado e comemorado por toda a existência. Kairós é o tempo superior provido de sincronia."

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