quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Por quem os sinos choravam?

Pontualmente às seis da tarde os sinos desdobravam das torres da igreja daquela cidadezinha interiorana. Suas batidas aprofundavam-se pelas montanhas distantes e repetiam seus sons por vales longínquos. Por meio século os mantras vindos dos seus badalos tocando no bronze, transladavam-se em om e em, em e om vibrando por todo o espaço, despertando o fim da tarde e anunciando com a estrela vespertina o aparecimento da grande noite. A noite não tinha fim diante da pequenez daquela aldeia. Ela guardava seus sonhos com mãos rendeiras e cuidadosas e acalentava seus segredos e seus mistérios com o espanto dos olhares esquecidos atrás das lamparinas de querosene. Os sinos marcavam solenemente a equidistância entre o dia ornamentado com os passos cadenciados dos cavalos treinados arrancando outras faíscas solares dos pedregulhos espalhados pelas estradas. A orquestra dos seus sonidos despedia-se das últimas charretes puxadas por dóceis alazões que serpenteavam as curvas dos caminhos junto com os suspiros das donzelas debruçadas sobre os umbrais dos janelões coloniais à procura de refrescar-se sob o aparecimento milagroso de algum ar masculino naquelas paragens. Por cinquenta anos aquele homem magrinho e já idoso cumprira solenemente com seu ritual diário, subindo as íngremes escadas da torre da matriz, vendo lá embaixo a cidadezinha se acinzentando às seis antes das primeiras estrelas. Sempre o viram dirigindo-se à Igreja com seu costumeiro embornal preso ao ombro. Mas naquele dia, pensavam os moradores não ouviriam os sons dos sinos convidando-os às orações e recolhimento noturno. O boato surgiu por volta do meio dia a respeito da morte do batedor de sinos. Morrera de repente não como fora sua vida tão compassadamente marcada ou como os intervalos dos sons dos sinos. Para pânico geral os sinos começaram a tocar exatamente no mesmo horário! A correria foi geral. Largaram a cidade e botaram o pé nas estradas para correr. Inclusive foram caridosos carregando o corpo do velho batedor de sinos! Iam se revezando e quanto mais avançavam, mais colocavam para correr todos os fazendeiros, colonos ou todos aqueles que trabalhavam a terça ou a quarta nos roçados. Disputavam com a pressa ultrapassar o som dos sinos a tocar. O que ninguém sabia era do mistério daquele embornal. O velho levava alimentos para dois casais de águia que ele criou nas torres. Ninguém nunca percebera aquilo. Os sinos estavam muito altos e enquanto ele os badalava, as águias balançavam sobre o bojo de bronze. Naquela tarde, mesmo com a ausência do costumeiro anfitrião, as águias saltaram sobre o bronze pendular dos sinos e começaram um balançar sem fim. Gangorreavam como crianças em um parque. De qualquer forma por trás disso tudo ficou instalado um mistério de grandes proporções. Maior que as envergaduras das asas daquelas águias.

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