quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

PADRE FOGE COM ESTUDANTE

Este interessante fato aconteceu há muito tempo, mas é tão extraordinário que permanece vivo por gerações. Naquela época existiam pouquíssimas escolas pelo interior afora. Então, era costume dos pais enviar seus filhos para estudar em localidades maiores ou até mesmo no exterior. Prestem atenção no que dá esta verdadeira estória.
Seu Leandro levantou-se cedinho, dirigindo-se aos campeiros: "óia, prepare a charrete com a Tinfona bem alimentada. Bastante mio e farta água na pança da esperta. Depois leva o leite na estrada, vorta rápido, deixa a sabida descansar um pouco, porque nóis vamo levá a Bárbara depois. O ônibus que vai pra longe, passa lá por vorta das nove."
Bárbara nos seus quinze estava setenta vezes ansiosa. Só conhecia emaranhado de canavial, curral, capim gordura, cocheira, inhame no tacho, ter a oportunidade de viver na cidade grande. Arrumou sua mala, seus vestidos de chita, seus pertences, passou cheiro, amarrou a fita vermelha nos cabelos e subiu na charrete. Deixou para trás, em cada curva poeirenta da estrada, um olhar de despedida, sem coisa alguma de lágrima qualquer. Pra frente, um olhar indagativo e apreensivo, com caldo grosso de esperança. Seu pai, daqueles fazendeiros sisudos, reservando lugar de mulher no canto da cozinha, ficou abanando com um prado roto na mão direita. Para ele, mulher só entra na sala, para levar xícara de café aos convidados e fica em pé, muda no canto, esperando o último gole, para recolher as louças. Quem toca a fazenda é o homem. Também espreme a cana e tira a garapa. Cuida de tudo. Só quem fala alto dentro de casa, além dele, é o cuco do relógio de parede gongando de hora em hora, para enfeitar a sala, pois quem regulava mesmo o dia, ainda era o galo, o sol, a lua, as estrelas e as estações. Mulher que ri é porque não tem modos. Mulher torra café, mói, tritura carne, soca milho no pilão, lava roupa na correnteza do rio, faz canjica, dá milho às galinhas, conserva o fogo aceso no fogão, com uma chaleira de café quentinha, comida na hora. Cirze, prega botões, faz remendos, conserva água fresquinha na talha. Bota toalha de rendas na mesa da cozinha, com diversos quitutes, no dia da padroeira. Todo aquele mundo não interessa a Bárbara.
Na república, com as colegas, tudo mescla novo. Cartas vão, cartas vem. Bárbara vai, Bárbara vem. Amigas, novos costumes, roupas curtas, badalos noturnos, barzinhos sabatinos e festas. Bárbara vai, Bárbara vem. Um namorado escondido entra em cena, por uma porta semi-aberta. Bárbara abre, Bárbara fecha. Os dias vão passando. A barriga vai crescendo. Bárbara foi estufando o umbigo, vai estufando. O padre larga a batina, dá adeus à rotina e numa madrugada silenciosa parte com Bárbara e traça sua sina. A cidade com os tempos se acomoda. À medida que o vento de outono vai varrendo as folhas das ruas, outras notícias vão chegando sobre as mais antigas.
Lá no interior, quando alguém pergunta ao Seu Leandro, "cadê Bárbara?", ele simplesmente responde mineiramente drumondiano, como aquele poema da pedra no meio do caminho:
"mandei Bárbara estudar em Barbacena e ela fez uma cena bárbara!"

Nenhum comentário:

Postar um comentário