Seu Marcolino descompassava cof! cof! cof! numa tosse intermediária a um bocejo prolongado, com um chiado no centro do tórax. "Você precisa de ir ao médico!", vociferava mil denares de vezes, Dª Martinha. A papagaia no poleiro já decorara o refrão: "ir ao médico! ir ao médico! ir ao médico!". Dotes femininos.
De tanto ouvir, não é que o homem foi? Foi, mas por lá ficou. Internação imediata. Operação urgente. Coração de um motoqueiro! Um corte de trinta centímetros ao longo do peito, mais um transversal. Fizeram-no um mosqueteiro operado às pressas.
Visitas marcadas no ponteiro do relógio.
Dª Martinha falava todo dia no pastor: "o cara ora como ninguém! Marcolino, abra o teu coração pro homem entrar!". Ele só respondia soprando: "Já abriram meu peito. O coração não é meu. Tanto prova que não gosto de goiabada!".
Pra não ouvir mais sermões, Marcô cedeu. Fez um sinal suave com a mão. No outro dia, Pastor Isaias baixou por lá, de terno, gravata e uma bíblia debaixo do sovaco molhado a solavanco de condução.
A reza foi funcional, pois Marcô cochilou debaixo de seus antibióticos. Martinha só balançava a cabeça e subia nos calcanhares.
Terminada a ladainha evangélica, Pastor Isaias começou a olhar, com um semblante estranho por todo o quarto. Observou demoradamente os armários. A cama do acompanhante e uns chinelos embaixo. A porta semiaberta do banheiro e um odor de hipoclorito de sódio vindo do vaso.
Marcô assustou, acordando do sonho e perguntou: "O que o senhor espia tanto aqui?"
"Eu tive uma revelação meu caro! Eu vi um caixão saindo deste quarto!" "Deixa disto, seu pastô! Daqui vai sair um homem a cem quilômetros por hora, de coração novo!"
"Mas eu vi um caixão, e vi também um par de castiçais enormes, com velas cheirando a defunto!"
"Páre com isto, Pastô, tô fora desta tua maldição!"
"Vejo também flores brancas de velório, com muita gente chorando!"
"Sai desta, meu! Vai blefar em outro canto!"
O pastor deu uns passos à frente e abaixou para continuar falando baixinho no ouvido direito de Marcô: "a morte tá chegando!"
Marcô com passagem comprada de vinda e ida a um sonho montado num cavalo de batalha; apanhando um litro de água benta cheinho sobre a mesinha, aparentando uma lança de prata, arrematou-o na cabeça do Pastor!
Marcô dormiu de novo. Pastor Isaías caiu no chão. Martinha a mil foi buscar assistência e socorro.
Duas horas depois o corpo do pastor estava no necrotério se preparando para o enterro no dia seguinte.
Revelação realizada na ponta da língua e no fundo da garrafa!
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