terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O ESPELHO QUEBRADO DE SANDRINHA

Quando Sandrinha estava a apresentar seu namorado, suas colegas pasmaram. Ela tão quietinha. Bobinha num canto do muro estilo Maria bobona. Aquela figura patética da escola? Aquela que só falava tonterias!!! Toda produzida tipo artista da Globo? Ela tão pálida, recatada, devota assídua de todas as horas da nossa senhora das virgens obedientes? Um tranco no passado. Uma frenagem brusca. Com esta, atravessou todos os faróis vermelhos. Merecia uma película de Hollywood. Poderia ser até manchete na prensa. Marcão o forasteiro chegara com tudo. Conversador sem fim. Conversa de fiar uma colcha de horas por todas as tardes e noites que estivessem a vir. Grandalhão daquele tamanho você se põe a imaginar. Sandrinha pequena como uma florzinha na beira do caminho. Surfista com uma tatuagem de uma sereia no peito. No braço direito um dragão a cuspir uma tocha de fogo sobre o Himalaia. Musculoso, um Rambo em prontidão. Só porque um rapaz na praia deixou-se a olhar para a sua diva ele fez um quebra- quebra do cão. Quebrou um quiosque na pancada, depois de sacudir o dono do mesmo e seu filho e os jogar inertes na areia, que ficou mais branca do que antes. De susto. Agora vejam, a antiga menina tão sisudinha da escola, agora chegadinha no Sansão do quarteirão bem mais pra lá. Ela tão amedrontada e cuidadosa de si. Nem chupava sorvete na escola. Pra ninguém pensar mal dela!!! Ele não só comprava o batom. Escolhia delicadamente e minuciosamente. Depois com todo amor e carinho pintava seus lábios aprendizes ali mesmo no corredor do shopping. Ele não só comprava o vestido. Fazia questão de vesti-la. Não no tal corredor. Mas lá na casa dela. Com a severa mãe ao lado. O conservadorismo maternal foi desfeito com um lindo sutiã turco, dado de presente no dia das matriarcas. O bicho era tão grande que dava pra levar na feira. Dentro dele caberia uma penca de bananas. Dois cocos gelados com uma banda de melancia. Uma dúzia de laranjas e mais algumas coisas conforme o varejo. Ele não só comprava os sapatos. Colocava-os nos pés de Sandrinha repetindo a síndrome da cinderela. Ele não só comprava saias, como as colocava. Na presença maternal, seja bem dito. Ele não só comprava as calcinhas. Mas esperava na porta do quarto de banho. Pedia que ela suspendesse a saia. Seu rosto variava no delírio. Ela não só comprava as bolsas. Agora sim. O detalhe deve ser bem explicado. Ele não só comprava as bolsas, como também ensinava a Sandrinha a andar com elas. Caminhava pra lá e pra cá com aquela última bolsa pendurada no ombro. Sandrinha continuou toda bobinha. Toda esquecidinha pendurada no canto do muro da sociedade. Ela era o espelho quebrado de Marcão. Através dele, em cada caco, ele se transvetia de seus desejos sintomáticos. Através dela, ele realizou todos os seus sonhos embutidos. Desde a calcinha ao batom.

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