Poeta, escritor, amante da música e da arte. Um ser humano muito simples em busca do significado profundo da vida, que é o amor, por onde a humanidade ganha sentido no exercício da fraternidade.
segunda-feira, 27 de abril de 2015
O buraco que não parava de rir
Seu Domingos, todos os dias religiosamente, dos seus sábados aos seus domingos, guardava antes de dormir, sua elegantérrima dentadura, dentro de um copo d'água, sobre uma mesinha, ao lado de sua cama. Ele dizia com seus caninos, "Não sabem vocês como foi difícil conseguir este trem para botar na minha boca! Vendi cinco dúzias de galinhas, meia dúzia de capados, quarenta quartas de milho e ainda pedi um desconto que no início o protético queria me entregar esta ferradura branca descontada com quatro dentes! Sem contar seus moços, que tive de arrancar o número de dentes igual aos apóstolos de Jesus que ainda sobravam e me serviam para chupar cana, comer rapadura e angu duro do outro dia dantes!"
Com aquela armadura de dentões brancos, ele sentia-se feliz sorrindo como um burro novo. Agora podia comer cana, rapadura, coco, mascar fumo à vontade e dar risadas de invejar marrecos. Outra coisa, "Agora vou tirar retratos com risada de padre depois que toma vinho na missa! E qualquer piadinha de meio palmo eu me estrebucho de rir!"
Quando não tinha dentadura, ele passava uma vergonha da banguela da miséria. Certa vez perguntaram a ele, porque ele falava "paiaço" e não "palhaço". Ele respondeu, "É porque eu tenho uma faia nos dentes seus canaia".
Assim como um dia é do caçador e o outro é da caça, também um é de rir e o outro é de chorar.
Seu Domingos acordou numa quarta-feira de cinzas, ou melhor, de fuligem total e não encontrou a sua bendita "bentadura". Só viu o copo entornado sobre a mesa e mais nada. A água escorrera pelo chão até debaixo da cama na borda do urinol. Água puxa água, pensou, mas dentes não tem como puxar!
Cadê o ladrão? Por onde entrou o gatuno? Seu Domingos ficou maluco. Em que boca ia caber uma dentadura igual a dele? Quando criança seu apelido era "Boca de Coité", agora, depois do roubo poderia ser chamado de "Boca do Coitado". "Vamos ficar de bico calado minha gente!", gritou para o povo da casa, "Vocês sabem que agora não posso botar a boca no mundo, porque estou mais banguela do que espiga de milho roída por esfomeado!"
Como pode um roubo com a casa toda fechada? Seu Domingos vai moendo as horas e remoendo seus pensamentos. Daí a pouco, seu neto vem gritando apavorado, "Vô, vem cá no quintal, pra vê. Tem um buraco que tá rindo sem parar!". Seu Domingos correu pra lá. Era sua dentadura na boca de um buraco de rato, faltando dois dentes. Lembrou que água corre para água e dente corre para boca! Não tem problemas, ele ia continuar a falar "paiaço", "faia", "teia", "caia d'água", mas desdentado, nem pensar. "As duas faias de dentes são bem pra traz, é só eu sorri um sorrisinho de gaita curta, sorriso de sanfona de oito baixos nem pensar!"
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário