Sandra chegou em casa toda feliz. Correu direto para um cantinho da cozinha, formando uma única estatueta entre o bujão, a pia e o fogão, com um celularzinho colado na orelha: "Pois é Marthinha, ele escreveu um poema sobre as minhas unhas decoradas!" "É mesmo? Fez um pra você também? Sobre o quê? Sobre suas sandálias? A Célia também tá na jogada? Ah! é mesmo? As sobrancelhas dela! Ele se inspirou e lançou no seu último livro? Não brinca?"
Eduardo assiste futebol pela tevê, mas está de ouvido em pé. Aliás sua audição já se sente uma dançarina no gelo! Está mais para escorregar e cair, do que ficar em pé.
Quem seria este cara que está incendiando sua mulher e as mulheres de seus amigos? Quem poderia ser este novo galã que conseguiu pegar em bloco um grupo de mulheres?
Só esperou Sandra sair no outro dia cedinho e correu pros contatos mais rápidos e desconfiados possíveis: "É o Juca? Meu amigo, nós temos que abrir os olhos! Tem um cara lá no escritório de nossas mulheres que tá um furacão! Fez poemas para as unhas da Sandra e as sandálias de sua mulher!" "O quê? Poema para Marthinha?" "Fez sim! e tem mais. Fez um para as sobrancelhas da Célia!" "Ah! deixa comigo. Vou ligar para o Clóvis" "Então liga mesmo, porque o sujeito é o bicho!"
"Alô Clóvis? Aqui é o Juca da Marthinha. Nem sei se sou dela mesmo. Aliás, nem sei se a Sandra é do Eduardo e se a Célia continua sua! Tem um boca de melado lá na firma, ele fez um belo poema para as sobrancelhas de Célia. Dizem que de agora em diante, durante todo o terceiro milênio, ela só vai usar aquele tipo de sobrancelhas!" "Mas quem te falou isto?" "Quem? Foi o Juca. A mulher dele só fica com um papel na mão, lendo e olhando para as unhas. A Marthinha caiu no meio da sala, enrolada no tapete, enquanto lia o poema olhando pras sandálias! Você sabe que ela já não bate bem da cuca!"
"Nós temos que inspecionar este cara!" "Bicho é a coisa mais fácil do mundo. Já sei. Ele fica no final de semana quase todo lá na praia. Sabe aquele quiosque do Sardento? Pois é. A última mesinha debaixo do coqueiro. Bem de frente pro mar! Eu já estava desconfiado com ele!"
"Vamos marcar nós três e fingir, dar uma de bobo e orelhar o cara?"
Os três marcaram para sábado de manhã. Disfarçados em turistas. Chegaram perto da mesa: "Olá cara! Como é a maré aqui? Nós somos de BH e estamos de passagem. Queremos saber como é a maré aqui?"
"A maré é aquele vai e vem das ondas rendeiras, que desenham bordados quando se jogam na areia!"
"Pois é cara, queremos saber como é o mar? É bravo? É fundo? É frio?"
"O mar? O mar é outro suporte do céu. É verde aqui e azul no distante, onde abraça o horizonte e se funde com o céu!"
"E aquele trampolim lá? É perigoso?" "Aquele trampolim? É como a própria vida. Como mais alto as pessoas tentam lançar-se, mais funda é a queda!"
"E o mulheril?" "Mulheril? Poetas não conhecem mulheril! Poetas conhecem milharal! Poetas conhecem pessoas que são seres humanos dignos do maior respeito. Poetas não as aglutinam desta forma. Cada mulher tem sua beleza, que se translada para o cabelo, para as unhas, para a roupa, para a casa em geral. Mas a verdadeira beleza da mulher é intocável. Não há homem que a saberá jamais. Apenas os poetas percebem a sua periferia. A mulher do poeta é a poesia!"
Eduardo se apressa: "Tá bom cara! Nós temos que ir, se voltarmos, depois a gente pode se sentar, tomar uma aguinha juntos e conversar mais. Precisamos conhecer o resto da praia!"
Os três saem estonteados. Juca desabafa: "Caras, aquele sujeito não é nada do que pensávamos. Nem bonito ele é. É apenas um poeta!"
"Apenas?" Retruca Clóvis. "Apenas? Ele é tudo aquilo que nós não somos e que as mulheres adoram! As mulheres gostam de ser elogiadas. Em outras palavras. Elas gostam dos homens sensíveis. Mas isto não significa que não amem a seus maridos! Vamos mudar de comportamento e partir para o contra ataque poético, o mais rápido possível!"
Agora Sandra não só se alegra com suas unhas, mas também com seus vestidos que Eduardo observa constantemente. Célia conserva suas sobrancelhas e seu batom. Só usa um tipo. Não tem problema. É aquele que o Clóvis elogia todos os dias!
Marthinha é quem tem de se cuidar. Ela é estabanada demais. Enrolou suas sandálias no tapete, lendo aquele poema entre as mãos e quase quebrou o aparelho de tevê?
Imaginem vocês o que não poderá acontecer com Marthinha, após esta revolução dos maridos, com os poemas que o Juca faz para ela sobre suas calcinhas?
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