domingo, 5 de janeiro de 2014

REDESCOBRINDO A ALMA INTERIORANA

O caipira é um Mazzaropi imortal. Mazzaropi foi um gênio, uma mistura casamental de Carlitos com Mané Garrinha. Melhor seria seu nombre soando "Mazzaritos". Leitores assíduos, nesta verdíssima estória vamos rememorar o caipira. Porém, segure-se aí frente à tela do seu computador, senão você cai e pira. Ele não é nada bobo. Quando lá nos cantos de serra donde vim, um deles chegava numa venda, com sua dona ao lado, perguntava: "Moço cuanto custa isto?" "E tanto!" "Tudo isto moço?, eu só tenho isto aqui!" "Ah! vai por isto mesmo!". Assim o caipira ia comprando tudo pela metade do preço e levava em sua conversa miúda os turcos no embornal.
Um dia, um deles entrou na Matriz e ficou olhando tristonho para Cristo crucificado. No alto da cruz estava escrito a sigla latina INRI (IESU NAZARENUS REX IUDAEORUM), ele não sabendo o significado perguntou a outro caipira, mais letrado: "Zé, quê quê tá scrito na cabeça do condenado?" "Óia Bastião, é INRI" "Quê qué dizê INRI?" "Óia Bastião é a aberviatura do carpinteiro que fez a cruz e se chamava INRIQUE!". Interessante quando foram na Capital e na beira da estrada viram aquele casarão bonito com um nomão galã de cara. "Zé, quê queê stá scrito lá?" "Bastião, é MOTEL!" "Quê qué moté?" Enquanto Zé pensava, um velho sentado atrás no ônibus sussurrou no seu ouvido: "É lugar de encontro de casais!" Zé olhou para Bastião e falou no seu ouvido: " Na nossa terra Bastião nós fazemu bobice atrás da moita. Aqui a moita é muito grande! Eeles fazi no Moitel!".
Mas os anos passaram e Bastião resolveu de corpo e alma, com dois remendos na bunda, entregar-se a Jesus. Virou evangélico. Venha como vier e deixe Jesus entrar! Já tinha aprendido a juntar palavras e gaguejar um alqueire de palavras sobre um livro.
O pastor mandou seu recado: "Bastião, si tivé arguma duveda, mi pregunta, tá?". Um dia ele chegou correndo: "Pastô Sálvio Pinto, Jesus era casado?" "Tá doido, Zé, onde tu tirô istu?" "Na biubla eu li: Jesus táva na cruiz e aos seus pé jazia a sua Tunica!" "Né Tunica não, é túnica uma capa que se usava naquele tempo!".
Duas semanas depois:
"Pastô Sálvio Pinto, casado eu sei que num era, mais ele era muito complicado e difici de se lidá!"
"Pelo amor de Deus, pu quê sê fala asi?" "Óia, li na biubla. Jesus vinha de jirico e entrou na cidade de jerusalém de jumentu. Que diferença faz ocê tá no lombu dum jirico e passá pru lombu dum jumentu?"
"Né jirico não Bastião! É da cidade de Jericó!".
Bastião baixou sua cabeça e jurou não falar mais nada. Até que um dia... "Pastô Sálvio Pinto, agora num dá não. Este tá de Paulo eu num quero lê não! Ocê sabi qui sou flamenguista e este homem só iscreve carta pros corintiano!"
Bastião deu uma querentena de descanso ao pastor. Mas era inquieto demais. Não aguentava ficar sem uma real explicação.
"O sinhô sabe quandu Jesus vai vortá?" "Nem os anju do céu sabi, Bastião!" "Mais divia sabê. Ocê já pensô si ele vié entre dezembro a março? Du jeitu caqui chovi, pastô, o coitadinhu vai moiá de dá dó!".
Se você amigo leitor, nasceu em uma cidade grande e não tem raízes interioranas, assista aos filmes de Mazzaropi e conhecerá mais de perto a alma sertaneja do Brasil. Aspecto este que se tornou relevante em grandes obras literárias como as de Guimarães Rosa, Monteiro Lobato, Euclides da Cunha, entre outros. Aliás, relembrando Euclides da Cunha, com sua obra Os Sertões conseguiu conduzir o olhar do brasileiro para dentro de si mesmo. Para o íntimo e interior do seu Brasil. Antes, o brasileiro olhava para além do Atlântico. Principalmente para o considerado centro do mundo, a Europa. O Brasil iniciou seu ofício de redesenhar-se a si mesmo, através da pesquisa euclidiana.

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