
Quando ela chegou naquela cidade, seu carro estava com vidro levantado, de tonalidade profundamente escura. Um fumê sobre o outro não deixa ninguém perceber quaisquer movimentos no interior do veículo.
Parou numa vaga e perguntou onde ficava o sobrado para alugar. Não deu bom dia, nem conversa a ninguém. Subiu uma pequena rampa, acionou a campainha. Um senhor de meia idade veio atendê-la:
“Bom dia, o que a senhora procura?” “Eu estou atrás de uma casa para alugar, é com o senhor?” “Sim, é comigo mesmo, pode entrar!”. Entrou e sentou-se. O homem era muito cavalheiro, dote sagrado da velha geração tecida sobre uma educação exemplar e respeito com o próximo: “A senhora quer uma água, um cafezinho?”.
“Sim!”, foi a resposta mais diminuta possível. Ela foi diretamente para o diálogo:
“Senhor, gostaria que me dissesse o preço do aluguel, mensal, pois vou deixar-lhe adiantado em dinheiro pelo prazo de um ano! Estou com muita pressa, pois tenho um trabalho urgente para fazer!”
Quem não aceitaria uma oferta destas? É muito difícil alugar uma casa mobiliada, com dinheiro adiantado por doze meses. Nem foi necessário efetuar uma sindicância. Negócio fechado ali mesmo às dezesseis horas em ponto.
Quando alguém naquele lugar perguntava seu nome ou de onde era, ela fingia não escutar.
A moça da padaria com um comportamento muito extrovertido, não conseguiu arrancar-lhe nem uma sílaba.
Não fez amizade com ninguém. Saía bem cedo e chegava à noitinha. Certa vez os meninos da rua jogando bola, deram-lhe uma bolada na cabeça. Ela caiu e se machucou bastante.
Os pais chegaram apavorados: “Vamos levar você para o hospital!”. Ela só respondeu: “Não, tudo ok!”. Entrou em seu carro e voltou duas horas depois com os curativos feitos.
Os casarões perfilados na velha cidade com os grandes flamboyants organizavam tantas sombras e uma sombra a mais não provocava alguma diferença.
À noite ela procedia como sempre. Retirava a peruca loura. Arrancava os enormes cílios postiços. Raspava toda a maquiagem com muito cuidado. Dependurava os brincos e colocava-os naquele mesmo cantinho do armário.
Agora sim, seria Maria. Simplesmente da Glória. Da gloriosa saída encontrada para um relacionamento violento. No disfarce total, aquela oprimida e perseguida mulher, criara outro tipo de botão do pânico. Mais seguro, talvez. Não importando os escombros internos da depressão, do medo elevado ao extremo. Nem do resumo ao máximo sobre uma existência soterrada.
Viver aos pedaços reunidos em outra mulher foi para ela mais urgente do que não poder viver por inteira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário