quarta-feira, 15 de maio de 2013

Além dos mistérios do leito de casal

A figura mais popular do vilarejo? Sem dúvida alguma todos em uníssono apontariam o indicador para Dona Solange. Antes do caso inédito acontecido com nossa querida conterrânea, devo-lhes anunciar o seguinte: sua fama aniversariava décadas. Necessário relatar, após o fantástico acontecimento seu nome correu mundo. Dobrou serras, atravessou várzeas e desembocou além dos rios. Virou posteridade. Ou melhor, imortalidade para mais ganhar um sentido mais claro. Ninguém alcançou tanta fineza no crochê, nem antes, nem depois de sua estória lendária. Sua casa reluzia de gente para comprar suas obras de arte. Peças para mesas, toalhas, cortinas, lençóis. O povo levantava cedo erguendo suas xícaras de café sobre as rendas bordadas. Envolviam-se os amantes nos lençóis em suas noites sem fim, movimentando-se sobre os círculos dourados dos fios desenhando danças e sonhos. Em um dia de cerração baixa, onde todos balbuciavam sob seus cachecóis com as palavras definhando-se em fumaças no ar, só se ouvia um som: “Dona Solange morreu!”. Em vinte minutos todos já sabiam do seu fim anunciado. Mulheres correram para retirar cortinas das janelas e guardá-las como lembranças. Outras sacaram as toalhas sobre as mesas e colocaram-nas na gaveta principal da cristaleira. Algumas retiraram de suas camas seus lençóis reluzentes para trancá-los como troféus com a chave de seus segredos noturnos. Todos foram para o velório para lavar com suas lágrimas as rezas intermináveis. A família pediu para aguardar o enterro por mais umas oito horas, esperando um parente chegar dos EUA. Assim, todos já estavam cansados e cochilando em volta do corpo de nossa passada amiga. Neste momento uma criança sussurrou para sua mãe: “Mãaaeeee! Dona Solange piscou um olho!”. “Deixa de bobeira menina! Respeita os mortos!”. “Mãaaaeeeee!! Dona Solange mexeu os dedos da mão!!”. “Sossega menina! Dorme no meu colo e não repare os falecidos!!” “Mãaaaaaaeeeeeee!!!! Dona Solange tá levantando!!!!”. Neste momento todos arregalaram os olhos em direção da pretendida morta. Dona Solange levantou-se e sentou-se no caixão. Naquele momento, enfiou a cabeça na coroa de flores. A cena foi monstruosa. Era gente correndo em cima de gente. Gente caindo, gente sumindo. Chegava um carteiro com a mochila cheinha de telegramas de pêsames, vindos de vários lugares. Quando viu a concebida morta, deu um grito e jogou a mochila para cima, gritando: “Cruz credo!”. Perna no mundo! A mãe esquecera a criança num canto. Dona Solange olhou para a menina e perguntou: “O que está acontecendo aqui!”. “O povo pensou que a senhora tinha morrido!”. Dona Solange olhou em volta de si. O caixão, os candelabros, a coroa de flores no pescoço: “Deus do Céu, que está havendo?”. Partiu correndo também. Quando o povo viu a quase morta correndo em sua direção, minha gente, a coisa piorou. Abandonaram a cidade. Só voltaram quando o padre durante uma semana percorrendo matas e grutas explicou detalhadamente a doença de catalepsia grave.

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