sábado, 11 de maio de 2013

Quem eram os dois cabras machos?

Você quer ver uma cidade interiorana tremer de medo? Basta correr a notícia do aparecimento de uma assombração. Vivi muito destes momentos mágicos, ou tragicômicos, principalmente na época dos lobisomens. Fomos acostumados com alguém batendo palmas no início do terreiro, gritando: “Oi de casa, posso entrar?”. Mas estes insurretos seres não tinham um fio de educação. Surgiam de repente como do nada. Adoravam mesclar-se na bruma caindo por volta das dezenove horas. Desta forma correu a notícia de alguns fantasmas passeando em torno do muro do cemitério. Muita gente afirmava categoricamente tê-los visto por lá. Juravam em nome de todos os santos. A maioria comentava suas feições e estaturas. Eram dois, sendo um muito alto e gordo. O outro, mais magro e muito conversador. Foi o girar desta fala o eixo virabrequim do ânimo da rodada de cartas e cachaça daquele sábado de aleluia. O negócio pegou mesmo quando Pedro Grandão desafiou Anacleto: “Você não tem coragem de ir até ao cemitério agora. Ainda mais pelo dia de hoje!”. Este, magro, baixo e coxo de uma perna respondeu: “Eu desafio você a ir comigo! Garanto que você vai correr da metade do caminho pra cá!”. Negócio selado em cima do balcão repleto de caipirinha. Duzentas pingas pagas por quem perdesse. Partiram sob os olhares atônitos de todos. Ninguém acreditava no ímpeto desafiador de uns caras machos numa hora daquelas. Do bar ao pé do morrão do cemitério, andaram com facilidade na pequena ladeira perfilada de casinhas. Até ali tudo bem. Meia escuridão e meia luz tomada aos goles dos passos, como um bom remédio para o temor. Agora sim, chegava o momento de provar quem era macho frente ao desafio. Um morro imenso, de um lado uma pirambeira da bexiga. À esquerda uma fileira de eucaliptos para aumentar de tamanho o susto preso com firmeza e decisão. Anacleto, manco de nascença, enquanto andava, cantarolava: “Aqui tá raso, aqui tá fundo!”, para não tropeçar pelos buracos do caminho. Pedrão não aguentou aquele eco de carpideira cerzindo sua atenção. Agarrou o trovador e colocou-o nas costas: “Vamos juntos do mesmo jeito. Mas em silêncio! Não aguento esta zoada sua!”. Morrendo de frio e amortecendo seus medos, conseguiram ressuscitar a uns sessenta metros da porta do campo santo. De lá uma voz gritou: “Desta vez, você trouxe um bem magrinho nas costas. Este, eu faço ele com uma facada só!”. Meu amigo leitor, pra quê aquela voz surgiu rangendo pela escuridão? Pedrão jogou Anacleto no chão e gritou: “O bicho pegou!”. Largou as pernas morro abaixo. Anacleto rolou pela ribanceira. Usando a perna comprida como mola de impacto, quicou rapidamente na parte baixa da cidade. Chegaram praticamente na mesma hora no bar. Cem pingas para um pagar. Ninguém ganhou e ninguém perdeu. Todos estatalaram os olhos ao ver os dois aos trancos e mulambos. O comentário correu mundo afora. Caiu no ouvido da polícia. Assombração aparecendo demais. Assombração falando em dar facadas? Desconfiaram dquela cena fantasmagórica. Vamos investigar. Resultado? Prenderam dois indivíduos, ladrões de cabritos. Roubavam os animais e os matavam dentro do cemitério. Crime sem testemunhas? Vendiam a carne nos arredores. Anacleto ficou muito triste. Queria ser cabra macho e não serviu nem para ser cabrito.

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